Notoriamente enfraquecida pelas últimas eleições (2014 – 2016), os grupos ligados à esquerda em Jundiaí passam por um período de depuração, auto-avaliação e análise de perspectivas e possibilidades. O fato é que a crise política enfrentada pelo Brasil nos últimos anos, a maior que se tem notícia, espraiou por estados e municípios deixando um rastro de devastação nunca visto – e Jundiaí, de certo, não está desconectada do restante do país.
Nesse cenário, a esquerda e demais movimentos sociais podem levar anos para se reagrupar, na avaliação de observadores e especialistas políticos. Em Jundiaí, os reflexos são notórios: fragorosas derrotas nas últimas duas eleições.
Atualmente, não há representante da esquerda tradicional na Câmara Municipal, e muito se especula sobre um sumiço da oposição política em Jundiaí, principalmente pelo alto índice de aprovação de projetos da gestão Luiz Fernando Machado (PSDB) no Legislativo – diversos por unanimidade. Nesse cenário, a reportagem do Portal Tudo foi em busca de personagens ligados à oposição para saber: o que aconteceu com a esquerda em Jundiaí?

Candidato à prefeitura em 2016 pelo PSOL, o professor Paulo Taffarello continua lecionando sociologia e ciências políticas, disciplina essa que possui título de mestrado. Foram mais de 3 mil votos em 2016, resultado tido por Taffarello como “uma grande vitória’. Ele continua filiado ao PSOL, embora não faça parte da executiva da sigla. Garante: não quer disputar em 2018. “É um processo muito desgastante.”
Taffarello é didático ao explicar o que entende ter ocorrido com as forças de esquerda em Jundiaí e no Brasil. “Em nível municipal, grande parte dessa responsabilidade se deve ao governo de Pedro Bigardi (2013 – 2016), que teve uma grande oportunidade de levar adiante pautas sociais e voltadas à esquerda, mas infelizmente sucumbiu ao velho jogo político e não fez nada de diferente das outras gestões do PSDB em Jundiaí. Foi uma pena.” Quando ganhou as eleições, em 2012, Pedro Bigardi era filiado ao PCdoB. Hoje está no PSD, de Gilberto Kassab.
“Veja o que enfrentamos hoje, uma das piores legislaturas da história recente de Jundiaí. Temos uma Câmara extremamente conservadora, que legisla movida a interesses pontuais e pessoais, não programáticos. Não ter ninguém pra fazer oposição ao que está aí é um problema ao jogo democrático”, explica o professor. “A política de Jundiaí continua a mesma: personalista e repleta de troca de favores. Mas as pessoas enxergam isso, e reclamam por uma oposição mais combativa.” Para ele a oposição pode até não estar na Câmara, mas está nas ruas, mantida por focos de resistência da sociedade civil.
Após 14 anos de tutela petista à frente do Palácio do Planalto, Taffarello acredita que não houve mudanças estruturais na configuração da sociedade, embora tenham ocorrido avanços em importantes áreas. “O neoliberalilsmo e sua expansão não foram combatidos pelas gestões Lula-Dilma. O resultado é um momento de contrafluxo histórico, onde a direita ganhou protagonismo.”

O ex-vereador Paulo Malerba (PT) foi um dos mais votados em 2016, ainda assim ficou de fora por conta do coeficiente eleitoral. No momento, continua no sindicato dos bancários do Banco do Brasil e se dedica à conclusão de sua tese de doutorado em Ciências Políticas, que será entregue em 13 de dezembro. Malerba, assim como Taffarello, avalia que a gestão Bigardi deixou um legado ruim para as forças de esquerda de Jundiaí.
“Ao trocar de partido, indo para uma legenda sem identidade alguma, ele confundiu o eleitorado e promoveu uma desorganização das forças do campo da esquerda na cidade. Mas já existe um processo de retomada. Temos falado com outros partidos e avaliando o cenário de 2018. O ano de 2017 foi de reorganização depois do resultado de 2016”, garante Malerba.
Sobre a Câmara, Malerba lamenta a ausência de vocalização para discutir de forma mais institucional os problemas da cidade. “Muita gente tem criticado o governo do Luiz Fernando, em áreas como educação, saúde, manutenção da cidade… eles tentam colocar a culpa no déficit deixado pela gestão passada, mas isso não cola mais. O fato mais relevante é a queda de arrecadação, queda do repasse de ICMS, a falta de um projeto de cidade inclusiva e de serviços públicos”, explica, ao comparar os números da dívida consolidada herdada por Bigardi e a deixada para Luiz.
“Em dezembro de 2012, eram R$ 355 milhões. Já em dezembro de 2016 havia caído para R$ 189 milhões. É mentira quando dizem que vão cortar da própria carne. É o velho jeito de fazer política do PSDB, a gente sabe como é. As mesmas pessoas de sempre nos cargos de confiança, as mesmas práticas do passado… eles cortam na carne de quem mais precisa, descontinuando ou reduzindo políticas sociais sob alegação do déficit.”
Malerba diz que vai debater com a sociedade, em 2018, os modelos de gestão. Para ele, há aqueles que são favoráveis às reformas de Temer e às privatizações. “Nós somos contrários a esse modelo, contrários a limitar os gastos destinados às pessoas mais pobres. Temos de colocar esses dois lados para as pessoas.”

O também ex-vereador Rafael Purgato, presidente municipal do PCdoB em Jundiaí, avalia que o ponto da guinada de rota na cidade foi o resultado negativo das eleições de 2014. “O governo começou como um governo de esquerda. Mas, com a derrota, eles se assustaram, principalmente o Pedro. Ele entendeu que o problema maior era ele estar na esquerda. Porém, outras lideranças começaram a migrar, a buscar novos caminhos, principalmente motivados pelo quadro político nacional.”
Para Purgato, faltou frieza ao partido na busca de um reposicionamento no campo da esquerda, terreno que “não havia peça de reposição para o Pedro, historicamente nosso principal quadro. Fomos pragmáticos demais e erramos em nossa estratégia”, avalia ao olhar para trás.
O presidente municipal do PCdoB acha que as forças de esquerda “estão cada qual pensando no próprio umbigo”. “Tivemos uma conferência em outubro, Disparei diversos convites a lideranças, mas poucas aderiram.” No entanto, ele adianta a chapa própria de Manuela D’Ávila para a presidência assim como garante ser pré-candidato a deputado estadual.
Sobre Jundiaí, foi enfático: “demos um ano de trégua ao governo. Agora acabou. Até esse momento, Luiz só chorou e transferiu a culpa para a antiga administração. Conquistas importantes foram descontinuadas ou paralisadas, como as UPAs, a falta de professores na Educação, a redução de aulas com período integral, a redução dos itens do kit de uniforme escolar. É o governo do retrocesso, assim como todos os outros da direita, que tiram direitos populares para atender interesses econômicos. Olha, eu participei e votei, enquanto vereador, do orçamento de 2017. Ele, de jeito algum, paralisava a cidade do jeito que aconteceu. O discurso da herança de Luiz é uma velha cantilena usada pelo marketing.”

Ex-vereadora, ex-titular da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Semads) da gestão de Pedro Bigardi e candidata à prefeitura da cidade em 2016, Marilena Negro assumiu no meio do ano a presidência municipal do PT. Quando deixou a prefeitura em 2014 para regressar à Câmara, foi tida como demasiada crítica ao governo que ajudara empossar em 1º de janeiro de 2013. “A crítica sempre existiu.”
“Nós procuramos construir um projeto de esquerda durante a campanha eleitoral de 2012. Mas tocar adiante um projeto desses significa assumir o enfrentamento em alguns momentos. O governo do Pedro não foi um governo de enfrentamento. Foi um governo que, em várias situações, se omitiu, postergou decisões e promoveu arranjos internos que ficaram difíceis de entender”, avalia Marilena.
Para ela, o resultado disso foi o enfraquecimento da esquerda na cidade. “Esses grupos foram dissolvidos e o diálogo entre as legendas ficou abalado. No fim, esse arranjo acabou sendo nocivo pra eles e pra gente. Hoje existe uma desarticulação no conjunto, mas esteja certo de que o PT segue em frente, trabalhando com vistas para 2020 e definindo candidatos para 2018. Desde que assumi a legenda, todas as nossas reuniões têm quórum e a coisa se fortalece a cada encontro”, garantiu Marilena.
No entanto, Marilena assume que o governo Bigardi foi responsável por uma construção, logo, não foi decepcionante embora “pudesse ter sido melhor”. “Houve um reordenamento de diversas políticas públicas, muita coisa caminhou. Mas não dá pra mudar tudo em quatro anos. Por exemplo, nós evitamos o fechamento do SOS, mudamos a dinâmica das políticas que lidam com pessoas em situação de rua, fizemos o enfrentamento com o Ministério Público em diversas ocasiões. Fiquei mais de ano resolvendo pepino de outro governo, respondendo a inquérito civil… hoje a política está redondinha, embora o atual governo esteja desconstruindo algumas coisas que foram feitas. Hoje temos uma pessoa do direito à frente da assistência social. É o fim. É um governo inexpressivo.”
Outro lado
Citado diversas vezes nesta matéria, Pedro Bigardi (PSD) concordou que sua saída do PCdoB impactou negativamente as forças locais de esquerda. “Isso é verdade. Mas o processo vem de mais tempo atrás. Perdemos líderes importantes, com o falecimento do Erazê (Martinho), a mudança de Antonio Galdino para Campinas, a mudança de Mauro Menuchi para Sorocaba. O Gerson (Sartori) também deixou o PT. Nós entendemos, àquela altura, que a política nacional não poderia contaminar um projeto local que foi realizador. Tentamos virar o foco.”
Sobre outras acusações, Bigardi se defende dizendo que seu governo “fez coisas distintas, humanizadas, de convivência entre as pessoas. Quando teve isso em Jundiaí? O Plano Diretor foi o de maior participação da história – antes era pautado pela Câmara, o meu foi pautado pelas pessoas. A recuperação dos espaços públicos, o urbanismo caminhável. Curioso que o Taffarello, embora não assuma, fez parte do meu governo no início. Mas eu gosto dele e ele desempenha um papel importante na política local”.
Para Bigardi, um dos principais legados de sua gestão foi uma inversão de lógica, que deixou a especulação imobiliária para ir até os bairros da cidade. “Foi o governo mais realizador dos últimos anos.”